O Acontecimento

Uma história escrita com coragem e responsabilidade. Um mergulho na realidade nua e crua tende a ampliar a nossa consciência, saindo do individual para o coletivo, do fato para o contexto.

Annie conta, com precisão cortante, os detalhes de um ab*rt0 clandestino que realizou quando era estudante universitária na França, em 1963, quando o era ilegal e criminalizado. Ela chama de “o acontecimento”.

Uma experiência como essa, marca na história de quem vive um antes e depois. Contada da forma como ela a relatou, pode levar quem lê a lugares incômodos ou até mesmo insuportáveis. Você pode amar ou odiar essa mulher. Talvez considere o contexto e sinta empatia. Ou talvez nada te faça ter alguma compaixão. Certamente, irá condená-la ou absolvê-la. Como se coubesse a nós julgá-la.

Em sua narrativa, torna-se evidente a ausência do corresponsável pela gravidez, ausência que vira presença escancarada esfregando em nossa cara, o privilégio de nascer homem. Passei boa parte da leitura com um nó na garganta, uma mistura de angústia e revolta.

Um relato que não tem a culpa como protagonista é semente de possibilidades para nós, mulheres, que estamos soterradas por ela. A culpa, muitas vezes, silencia nossas vozes e impede que contemos nossas próprias histórias de um lugar de autoria, responsabilidade e

E como a história de uma mulher nunca é somente dela, fui esbarrando nas histórias que escuto todos os dias. Histórias que se entrelaçam em torno do corpo da mulher que, no fim das contas, nunca é só dela. Porque é atravessado por um sistema que insiste em controlar, culpar e silenciar as violações que sofre quando a mulher que o abriga decide escolher o que fazer com ele.

As histórias que escutamos e lemos trazem ecos de normas sociais, morais e de gênero que nos antecedem e que continuam moldando o que é permitido sentir, desejar e decidir.

Como mulher, Psicóloga e feminista, sigo reafirmando: contar nossas histórias é também um gesto político.

Escrito por Roberta Rocha ♥️